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A participação africana no tráfico de escravos

.​A participação africana no tráfico de escravos

O tráfico transatlântico de escravos desenvolveu-se em parte graças à participação dos próprios africanos

Apesar  de o tráfico negreiro ser geralmente caracterizado como obra dos países  europeus e americanos, os africanos também participaram ativamente  dessa atividade. O tráfico exigia uma organização comercial complexa  para a venda e o transporte dos escravos. Essa organização encontrava-se  baseada nos três continentes do Atlântico. Na África ela concentrava-se  nas mãos dos próprios africanos, que determinavam quem embarcava ou não  para o Novo  Mundo. Isso em nada diminui o envolvimento dos países europeus e  americanos no tráfico de escravos, mas revela um lado pouco conhecido da  participação africana nessa atividade.

Os africanos  escravizavam-se uns aos outros por uma questão de identidade cultural.  Ao contrário dos europeus, no princípio do tráfico negreiro, e ainda bem  depois disso, os africanos não se reconheciam como africanos. Eles se  identificavam de diversas maneiras, como pela sua família, clã, tribo,  etnia, língua, religião, país ou Estado. Essa diversidade sugere uma  sociedade bem mais complexa do que aquela a que estamos acostumados e  designamos por “africana.” Pouco vale distingui-las neste momento.  Contudo, deve-se atentar para essa diferença, uma vez que ela ajuda a  entender a origem do tráfico de escravos e da escravidão africana no  Novo Mundo.


Mercado árabe de escravos.
A  escravidão foi uma instituição presente na maior parte do mundo. Na  África, ela surgiu antes mesmo da era dos descobrimentos marítimos dos  europeus. Desde a antiguidade clássica, escravos negros eram vendidos  para os mercados da Europa e da Ásia através do Deserto do Saara, do Mar  Vermelho e do Oceano Índico. Eles eram vendidos entre os egípcios, os  romanos e os muçulmanos, mas há notícias de escravos negros vendidos em  mercados ainda mais distantes, como a Pérsia e a China, onde eram  recebidos como mercadorias exóticas. Na própria África, os africanos  serviam como escravos em diversas funções, desde simples trabalhadores  até comandantes ou altos funcionários de Estado. Portanto, tanto a  escravidão como o comércio africano de escravos precederam à chegada dos  europeus e à abertura do comércio marítimo com o Novo Mundo.




Com  a colonização das Américas, um novo mercado surgiu para o comércio  africano de escravos. As plantações de açúcar do Brasil e do Caribe  expandiam progressivamente, demandando cada vez mais mão de obra.  Contudo, as populações nativas do Novo Mundo, dizimadas em grande parte  pelas doenças trazidas pelos europeus, mal podiam atender essa demanda.  Os europeus, por outro lado, viam poucos motivos para trabalharem  voluntariamente nas plantações de açúcar. As condições de trabalho eram  geralmente precárias e pouco gratificantes, de maneira que mesmo  prisioneiros ou indivíduos obrigados a um termo de trabalho raramente se  sujeitavam a trabalhar nas plantações de açúcar do Novo Mundo. O  problema da escassez de mão de obra foi solucionado com o tráfico  transatlântico de escravos.

A escravidão na África serviu de base  para o desenvolvimento do tráfico transatlântico de escravos.  Inicialmente, os europeus organizaram expedições marítimas para capturar  e transportar escravos pelo Atlântico. Contudo, os riscos e os custos  dessas expedições eram muito altos em comparação aos ganhos. Por isso,  decidiram por um método menos agressivo para a obtenção de escravos,  adotando o comércio no lugar da força bruta. Os africanos responderam  positivamente a essa decisão, uma vez que já estavam longamente  familiarizados com o comércio de escravos. A abertura do comércio  transatlântico com os europeus proporcionou aos africanos acesso a  objetos que eles consideravam como de luxo, e não quinquilharias como  geralmente se anuncia. Os africanos rarissimamente venderam escravos por  bens de primeira necessidade. A maioria dos objetos importados pelos  africanos consistia em bens supérfluos como panos asiáticos e europeus,  bebidas alcoólicas, tabaco, armas de fogo, e pólvora.


Cavaleiros Mossi levando reféns.
Havia  várias maneiras de um indivíduo se tornar escravo na África. O mais  comum, e talvez mais eficiente, era a guerra. Guerras entre vizinhos  geralmente produzia um número de indivíduos capturados que poderia ser  facilmente vendido na costa como escravo. No entanto, as guerras eram um  método de escravização caro, que somente sociedades centralizadas ou  estatais poderiam sustentar. Outros métodos de escravização menos  dispendiosos e abertos às sociedades africanas descentralizadas incluíam  as razias, o endividamento, e o julgamento por crimes ou heresias.  Finalmente, em tempos de carestia, havia ainda a possibilidade de  escravização voluntária, na qual indivíduos livres entregavam-se à  escravidão movidos pela fome, pelo abandono ou por outras ameaças.




O  tráfico transatlântico consumiu mais escravos do que qualquer outro  mercado da África. Contudo, a demanda por escravos do comércio  transatlântico pouco alterou a maneira como os africanos concebiam a  escravidão na África. Em geral, os africanos preferiam mulheres como  escravas por dois motivos. Primeiro porque as mulheres eram responsáveis  pelo trabalho agrícola na maioria das sociedades africanas, e segundo  porque eles poderiam tomar essas mulheres por esposas, aumentando assim a  sua família e a sua influência política na comunidade local. As  crianças também eram consideradas escravos ideais pelos africanos, uma  vez que poderiam ser facilmente assimiladas pela comunidade dos seus  senhores. Ao contrário, os africanos procuravam se desfazer logo de  escravos homens, que poderiam representar um perigo para a sociedade,  especialmente em se tratando de soldados capturados em guerras. Nesse  sentido, o tráfico transatlântico de escravos contribuiu para aliviar os  senhores africanos desse tipo de escravo, já que as plantações do Novo  Mundo demandavam mais homens do que mulheres e crianças como escravos.




O  tráfico negreiro atuou diferentemente em várias partes da costa  africana. Por isso, torna-se difícil de calcular o impacto dessa  atividade no continente. Na Baía de Benin e na costa do Congo e Angola,  onde o tráfico foi especialmente ativo, o seu impacto é geralmente  associado à violência comercializada, a crises demográficas, e à  expansão da escravidão na própria África. Em outras partes do  continente, as consequências devem ter sido menos severas, apesar da  economia externa africana viver hoje profundamente voltada para fora do  continente. De toda maneira, o tráfico transatlântico de escravos foi  uma atividade na qual os africanos atuaram tanto como vítimas quanto  agentes. Talvez, o primeiro passo para se compreender a história dessa  tragédia seja reconhecer que até pouco tempo a escravidão era aceita  pela maior parte do mundo. Uma prova disso está na ocasião que ora se  celebra. O 13 de Maio de 1888 representou o fim da escravidão no Brasil,  o último pais a abolir a escravidão nas Américas, apenas cerca de dois  séculos atrás. Portanto, seja entre europeus, seja entre africanos,  havia poucos fatores que pudessem inibir o desenvolvimento do tráfico  transatlântico de escravos.

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